Na quadra histórica em que vivemos, não há brasileiro que não tenha ouvido falar de nossa Suprema Corte, o que antes era algo relegado aqueles poucos iniciados nas artes e ciências jurídicas, hoje faz parte do dia-a-dia de todos, das conversas de bar, do final de semana, das opiniões por vezes sem o necessário conhecimento acerca da atividade e limites de atuação da própria Corte. Neste dia 15 de novembro em que comemoramos os 133 anos de Proclamação de nossa tão aguardada República, penso que convém (re)lembrarmos alguns nuances da história desta instituição de Estado.
Segundo historiadores, já no fim do Império, D. Pedro II manifestou o desejo de que no Brasil fosse criada uma Suprema Corte, tal qual nos Estados Unidos. No nosso caso, além de ser um tribunal constitucional, deveria abarcar as atribuições do Poder Moderador.
Apesar dos desejos do Imperador, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi criado pela República. O decreto 848 de 1890 deu a forma inicial de organização do Poder Judiciário, que foi seguido pela Constituição de 1891. Inicialmente nossa Corte Suprema era formado por 15 membros. A indicação de todos os ministros foi do presidente Deodoro da Fonseca, e o Senado deveria, posteriormente, referendar, tal qual dispunha a Constituição.
Para fazer parte do órgão, primeiramente tinha de obter o “aceite” do presidente da República. Os limites para a idade e o “notável saber jurídico” somente surgiram depois, há aqueles que dizem que somente o fator etário é levado em consideração, sendo o “notável saber”subjetivo ao alvedrio do entendimento do Presidente indicante. E é o que se mantém até hoje.
De se dizer que nosso STF começou mal: em sua primeira formação dois dos indicados eram, ao mesmo tempo, membros do STF e ministros do governo o que daria um note a ser seguido historicamente até as atuais formações, a de que o indicado seria um “representante”do governo ou por vezes do indicante perante a Suprema Corte.
Algumas extravagâncias ocorreram, nosso segundo presidente da República, o marechal Floriano Peixoto, designou para o STF um médico e dois generais. Argumentou que cumpria o que determinava a Constituição: os indicados deveriam ser “cidadãos de notável saber e reputação”. E mais: eram seus amigos.
Algumas vezes, o Marechal de Ferro adiou a indicação de novos nomes com o intuito de paralisar os trabalhos da Suprema Corte, impedindo a possibilidade de ter o quorum mínimo para as sessões.
A Suprema Corte foi acionada diversas vezes durante a Primeira República (1889-1930), especialmente quando envolvia as garantias e os direitos individuais. Ao adentrar o século XX, a composição do tribunal foi remoçada. Era mais que necessário. Mas pouco adiantou: o conservadorismo e o desprezo pelas liberdades democráticas permaneceram. As nomeações continuaram a ser não por notório saber jurídico, mas por conveniência política.
Digno de nota foi o ocorrido com Alberto Torres, notoriamente indicado por razões políticas. A despeito disto, confessou que não tinha conhecimentos jurídicos suficientes para exercer a função, retardou a posse por alguns meses e ficou estudando. Reconheceu que não tinha qualificação. Exemplo único de tal reconhecimento em nossa República.
A Revolução de 1930 não fez cerimônia com o STF: aposentou seis ministros e buscou a todo custo limitar sua atuação. Contou com a complacência dos ministros. O legalismo servil mais uma vez permitiu aos ministros lavarem as mãos diante de inúmeros atos e milhares de prisões políticas arbitrárias.
A repressão à revolta comunista de 1935 teve no STF um aliado silencioso – assim como o foi o Congresso. Quando o tribunal foi solicitado a se pronunciar sobre o estado de sítio, saiu pela tangente. Não cabia ao Poder Judiciário se pronunciar sobre a constitucionalidade desse ato do Executivo. A omissão tinha uma justificativa: com o passar dos anos, a maioria dos ministros devia sua nomeação a Getúlio Vargas.
A ditadura do Estado Novo humilhou o STF, primeiro, por meio da Constituição de 1937, a nomeação do presidente e do vice da Corte seria da alçada não mais dos próprios pares, mas do presidente da República.
Passam-se os anos e depois do golpe civil-militar de 1964 cresceram as pressões contra o STF. O regime continuou avançando e suprimindo a independência da mais alta Corte. Em outubro de 1965 foi imposto o Ato Institucional nº 2, que ampliou o número de ministros de 11 para 16. Evidentemente, foram nomeados aqueles que tinham absoluta identificação com o regime militar.
Em janeiro de 1969, com base no Al-5, foram cassados três ministros: Victor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva. Dos outros 13 ministros, só receberam a solidariedade de dois: um renunciou e outro solicitou aposentadoria. Os outros 11 mantiveram-se em omissos.
Duas semanas depois, pelo Ato Institucional nº 6, foi alterada novamente a composição do Supremo para 11 membros, que era o número então existente, depois das cassações e das aposentadorias. Além do quê, o AI-6 diminuiu a competência do STF. Com o disposto nos Als 5 e 6 e uma confiável e servil com posição do tribunal, o regime militar não teve mais problemas com o STF.
O STF foi esquecendo os casos políticos. Ficou restrito ao juridicismo vazio, tão típico do Brasil. Alguns ministros chegaram até a colaborar com o governo na redação do famoso (e triste) Pacote de Abril de 1977, que, como é de se saber, fechou o Congresso Nacional.
Adveio a Constituinte de 1986 com a missão de revolucionar e trazer de volta a esfera de atuação do Pretório Excelso visão mais de Corte Constitucional além de instituir novas e mais complexas atribuições. Apesar de seus muitos avanços, a Constituição de 1988 não conseguiu de logo deixar para trás o histórico pouco salutar do período revolucionário, assim a Corte manteve a postura histórica da omissão e da obediência aos desmandos do Executivo.
A renovação dos seus quadros foi retirando paulatinamente os membros mais associados com o regime militar. Mesmo continuando a ocorrer polêmicas indicações, alguns lampejos de Republicanismo ocorreram, a saber em 2000, nomeação da primeira mulher, a gaúcha Ellen Gracie, em 2003 o terceiro ministro negro de sua história, o mineiro Joaquim Barbosa, em 2013 a nomeação por claro movimento da advocacia, o carioca Luis Roberto Barroso.
De se dizer que na história recente, foi o presidente Lula da Silva quem conseguiu compor um Supremo ao seu gosto. Sete ministros foram de sua nomeação. Um dos casos mais emblemáticos foi o do ministro José Antonio Dias Toffoli que durante muitos anos foi advogado do PT, não fez pós-graduação e foi reprovado em dois concursos para juiz (1994 e 1995), contudo, foi indicado para o cargo máximo da Justiça brasileira pelo Presidente, sendo facilmente aprovado pelo Senado.
Depois dele vieram Alexandre de Moraes, então ministro da Justiça do Presidente Michel Temer, ocupante de mesmo cargo no período mais recente, o “terrivelmente evangélico” André Mendonça, mais novo entre os nomeados.
Neste 15 de novembro e sabedores que somos de um pouco da história de nossa Corte Constitucional, resta-nos também saber se a máxima dita pelo jurista baiano João Mangabeira, “o Judiciário é o poder que mais falhou na República” se mantém.
Desnecessário dizer que precisamos, quem sabe mais do que nunca, em uma República como a brasileira, não de Juízes subalternos aos interesses do Executivo, tampouco ativistas em demasia, ultrapassando os limites de nossa Leis, mas de julgadores verdadeiramente responsáveis pela defesa da Constituição e da democracia.
Anderson F Fonseca. Advogado. Professor de Direito Constitucional. Especialista e Comércio Exterior e ZFM. IG: @Anderson.f.fonseca