O valor do amanhã livro escrito pelo economista Eduardo Ginannetti da Fonseca, PhD em Economia pela Universidade de Cambridge, lançado em 2006, em linguagem clara e direta explica por meio de exemplos encontrados no cotidiano e na natureza a real existência dos juros. Em sua obra, defende que desde o momento em que aprendeu a planejar sua vida, o homem antecipa e projeta suas vontades e desígnios para o futuro.
Do momento em que decidimos fazer uma dieta, praticar exercícios físicos preparando o corpo para o verão, a dedicação aos estudos para encontrar melhores oportunidades de emprego, a poupança para financiar uma aquisição futura, o uso do cartão de crédito, a tomada de empréstimo em instituições financeiras ou parentes, são situações da vida diária nas quais vemos esta realidade.
O princípio econômico por trás desta nossa prática é fundamentalmente simples: o devedor antecipa um benefício para usufruto imediato comprometendo-se a pagar mais por isso no futuro, e quem empresta (o credor) cede algo de que dispõe no momento presente esperando receber um montante superior no final da transação.
Extrapolando os limites meramente financeiros deste fenômeno vemos que questões concretas possuem raízes comportamentais mais profundas, ligadas à formação de nosso pensamento social porque não dizer político.
Traçando um paralelo e aplicando as breves noções aqui traçadas com o período eleitoral, fazendo uma leitura empírica, sem maiores rigores da pesquisa cientifica ou mesmo de análise aprofundada de dados, podemos verificar exatamente as premissas do valor do amanhã aplicadas hoje.
Reduzindo o espectro de análise e verificação ao Estado do Amazonas, mas certamente aplicável e repercutido em outros entes da Federação visto ser um fenômeno cultural partilhado por milhares de eleitores, viu-se exatamente boa parte do eleitorado escolhendo (diferente de decidindo) benefícios presentes em troca de pagamento maior no futuro (incerto).
Seja pela utilização da política de auxílios, a promessa de manutenção de cargos em grande parte comissionados, renovação de contratos com prestadores de serviço, pagamento de benefícios ou a velha e nefasta prática da compra e venda de votos encontrou-se parte significativa do eleitorado nacional cedendo a pressões e “benefícios” para a escolha deste ou aquele candidato.
Prática que não conhece fronteiras, troca de votos por “induzimentos” foi marcante nas presentes eleições, desconhecendo o eleitorado a real repercussão e consequências deste aparente ganho presente, seja na capital ou no interior, trocas e escolhas foram feitas baseados em ganhos ou pressões presentes com juros a serem pagos nos próximos anos e quem sabe até pelas próximas gerações.
A valoração do amanhã tem um preço, este preço decorre sobretudo das escolhas que fazemos hoje, a exemplo do atleta que escolhe alimentar-se de maneira mais saudável, acordar cedo para treinar todos os dias, recusar convites de baladas e festas para manter o foco e concentrar-se no seu objetivo, todos nós queiramos ou não fazemos este trane-off entre o momento presente e o futuro muitas vezes incerto.
Ao tentar manipular nossas escolhas em troca do usufruto de alguns benefícios no momento presente projetamos uma falsa ideia de controle de riscos , mas escolhas por si mesmas envolvem riscos, uma vez que não podemos antever de maneira 100% segura o futuro. Neste caso resta-nos indagar: o que é melhor, desfrutar o momento ou cuidar do amanhã?
No espectro democrático em que vivemos estas escolhas foram feitas em 1988 no dia 05 de outubro ao promulgarmos a Constituição Cidadã, nesta data comemorando 34 anos de existência. Cheia de princípios e pródiga em visões para o Brasil que queremos ou melhor que os constituintes, em sua maioria vindos de uma experiência de exceções às liberdades públicas, intervenções estatais e em grande parte perseguições políticas, desenharam ao nosso futuro.
Pois bem, ouso dizer que este futuro chegou e hoje todos nós, brasileiros do passado e presente, temos o dever de relembrar os sacrifícios feitos para desfrutarmos das liberdades que hoje temos, liberdades estas que vez ou outras estão sob ameaça, ameaça que muitas vezes nós mesmos permitimos ao sermos tentados a realizar escolhas de conforto ou benefícios presentes em detrimento do futuro.
Para além das reflexões econômicas é preciso alertar que apostas no futuro não envolvem apenas riscos mas também uma dose de paciência, saber aguardar para colher os melhores frutos porém o árduo desejo de desfrutar tão logo o benefício oferecido ou de fazer cessar a pressão recebida nos leva a ignorar o risco de perpetuidade de ambas situações, ausência de planejamento a médio e longo prazos e a continuidade dos mesmos expedientes para a conquista de votos e apoiadores.
Dor e prazer são partes da nossa vida, tal qual o caboclo que se põe a sair pelos rios a pescar para seu alimento, sem saber ao certo se terá ou não o peixe para o dia, tendo muitas vezes que encarar a dor da fome, não podemos nos dissociar destas situações de prazer presente sem comprometer nosso futuro.
Necessário se faz escolher mas sobretudo saber escolher, somente o preço que estamos dispostos a pagar no presente é que irá conduzir e formatar a nossa escolha. Quanto menor a paciência e tolerância de espera para o usufruto de benefícios imediatos maior será o preço a ser pago no amanhã.