Tomou espaço no noticiário internacional nestes últimos dias, sobretudo no Brasil, a visita feita pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Argentina, sua primeira viagem de chefe de Estado após assumir a presidência, encontrando-se com Alberto Fernández, Presidente do maior parceiro comercial brasileiro e aliado ideológico de seu colega brasileiro.
Dentre tantas manifestações de ambos os lados, chamou a atenção a este articulista dois pontos : o retorno do Brasil à Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), grupo que o país deixou em 2019 por orientação do ex-Presidente Jair Bolsonaro, em vista da participação de Cuba e Venezuela; e a potencial adoção de moeda comum sul-americana, ideia esta levantada originalmente em artigo escrito pelo atual Ministro da Fazenda Fernando Haddad e o Secretário-executivo do Ministério Gabriel Galípolo, citada inclusive por Lula na campanha.
Para melhor compreendermos ambos penso ser necessário revisitarmos o que foi a política externa brasileira sob o comando do PT, a exemplo dos seus governos anteriores, ao que parece, o eixo sul-sul introduzido em 2003 no primeiro governo Lula dá sinais de retorno, não somente este eixo ocupou lugar de relevo na política externa do PT como foi a base estratégica visando fortalecer uma união política e econômica na América do Sul.
Naquele momento histórico foi plano do Brasil transformar a geografia econômica do mundo modificando nosso eixo comercial, das regiões americana e europeia para a Ásia e América Latina, no que convenciou-se à época chamar de relação do pai forte para o filho fraco, dispensado sobretudo a Argentina., com incentivos e subsídios diretos a produção e desenvolvimento de negócios naquele país arcados com investimentos de bancos oficiais brasileiros, a saber o próprio BNDES.
De se observar também que a origem deste relacionamento pai e filho não remonta aos governos do PT e sim a uma época bem mais atrás, entre os anos de 1985 e 1989 as relações Brasil-Argentina se desenvolveram de maneira mais intensa e com traços bastante semelhantes, a saber, o retorno da democracia em ambos países, a recuperação da imagem sulamericana como uma região de paz progresso com capacidade de decisão própria, na economia a implantação de modelos nacionalistas, estatistas e protecionistas.
Entre 1989 e 1990 temos, a semelhança do que vemos hoje, a troca de poder, na Argentina o radical Alfonsín é sucedido pelo peronista Menem, no Brasil em nossas primeiras eleições diretas após o período ‘64-’86 elege-se Fernando Collor em lugar de Sarney, ambos Presidentes prometendo estabilização econômica a qualquer preço.
Nesta linha de atuação inicia-se uma série de acordos bilaterais Brasil-Argentina para fortalecimento de relações diplomáticas, trocas comerciais e desenvolvimento que, após a desão de Uruguai e Paraguai, tem-se a gênese do atual Mercado Comum do Sul.
Importante notar que nesta formação regional as bases de trocas e comércio já previam expressamente que o mercado formado seria tão somente isto, um mercado comum, sem entidades ou órgãos supranacionais , sem a unificação econômica e financeira, sem a adoção de moeda única, adoção somente de uma tarifa externa comum (TEC) entre os países para os devidos ajustes tributários e de câmbio afim de facilitar a livre circulação de mercadorias, bens e serviços.
Com este atual retorno do governo Lula dá sinais de aprofundamento desta relação histórica uma vez que a potencial adoção de uma moeda comum pressupõe previamente uma planificação e estabilização econômica dos países envolvidos, a exemplo do Euro na União Européia somente adotado por países comprovadamente sólidos em suas economias e austeros em suas contas.
Outra observação pertinente e de certo fora do aspecto meramente político-econômico diz respeito a implementação da cláusula democrática, segundo a qual pela práxis internacional os países que tendem a se unir em prol de objetivos regionais ou subregionais comuns devem demonstrar que são democracias sadias, respeitando as instituições e longe de abalos que venham a derrubar o Estado Democrático de Direito, situação esta que nós e nossos hermanos estamos passando neste início de ano com alguma turbulência, é de saber também neste contexto como ficam nossos demais parceiros do Sul, Paraguai, Uruguai, seguidos de perto por Chile e Venezuela nesta aproximação.
Planos de aproximação regional em regra são meios de tentar resolver problemas históricos, econômicos e políticos, principalmente no momento em que os Estados passam por transformações no âmbito interno e externo, vale dizer o aumento de circulação de riquezas, estímulo a competição entre os participantes, baixo custo de produtos na medida em que as empresas dos países envolvidos começam o seu intercâmbio, no presente temos além disto nossos problemas estruturais e democráticos, desafios para uma verdadeira parceria.
Prematuro neste instante qualquer maior análise a respeito, os próprios Presidentes de Brasil e Argentina já se manifestaram que os passos a frente dependem de muitos estudos em prol de uma verdadeira cooperação, a despeito disto vemos novamente nossos hermanos mais próximos e quem sabe muito além do futebol termos em comum uma moeda pra chamar de nossa, resta saber a que custo e com isso pode acontecer.
Anderson F. Fonseca. Professor de DireitoConstitucional. Advogado. Especialista em Comércio Exterior e ZFM.
IG: @anderson.f.fonseca