Início do ano, novidades, promessas e planos a serem seguidos (ou não) durante o transcorrer dos meses, no aspecto político é tempo de inaugurar nova legislatura com a instauração de mandatos dos recém eleitos no certame de 2022 e, no ramo do entretenimento, tempo do programa já tradicional de janeiro o já conhecido Big Brother Brasil, o famoso BBB, reunindo artistas e anônimos em busca de fama e prêmios.
Diferente do que poderíamos esperar, neste ano de 2023 o BBB aconteceu de maneira um pouco diferente, não me refiro ao programa televisivo mas aos atos agora notórios de manifestantes/terroristas/insurgentes no dia 08 de janeiro na sede dos três poderes da capital federal, convenciono chamar para os efeitos desta reflexão de Black Bloc Brasil, similarmente ao programa global, BBB.
Pois bem, para quem precise rememorar no canal “mundo educação”do uol encontramos que termo black bloc (bloco negro, em inglês) refere-se a uma tática de manifestações de rua, desenvolvida desde a década de 1980, para garantir a autodefesa dos manifestantes diante de ações repressivas das forças policiais e, posteriormente, para atacar edificações de empresas e instituições de Estado consideradas símbolos do capitalismo. Ele constitui-se na formação de um bloco de pessoas vestidas de negro que participam em grupo nas manifestações, tapando seus rostos com máscaras, capacetes ou panos para evitar o reconhecimento e a perseguição policial.
No Brasil, o black bloc ganhou notoriedade a partir das manifestações de junho de 2013 que ganharam repercussão nacional e espalharam-se pelo país após tomarem as ruas da cidade de São Paulo com as ações contra o aumento da tarifa do transporte organizadas pelo Movimento Passe Livre (MPL).
Diferente do que encontramos nas manifestações de 2003, há exatos 20 anos, nesta última manifestação tivemos em maioria pessoas vestidas de verde e amarelo, notadamente a camisa da Seleção brasileira, numa espécie de versão tupiniquim do fenômeno europeu, um Black Bloc à brasileira, Bloc Verde e Amarelo, cujo objetivo não é mais a reivindicação contra o capitalismo, contudo seu principal meio de operação é também a violência como instrumento desestabilizador do Estado.
Em um aspecto mais acadêmico vejo a nítida aplicação do pensamento de Carl Schmitt, pensador e jurista alemão de indiscutível muito embora controversa originalidade. Schmitt dedicou-se a rejeitar o papel das normas ético-jurídicas na compreensão do que significa ser a política, postulou sua autonomia, afirmando que o seu traço distintivo é exatamente a clareza entre amigo e inimigo.
Para o pensador alemão, o inimigo é quem nega na situação concreta o modo de vida de seu oponente. Por isso deve ser combatido e repelido. Esta identificação de inimigo não é oriunda de normas, elementos jurídicos ou políticos verificáveis mas sempre comporta na prática a sua eliminação, inclusive física.
A obra de Schmitt, ao que parece, continua fascinando não apenas significativas correntes da Esquerda mas ao que demonstrou os atos deste oito de janeiro, também a Direita que encontram nos seus argumentos elementos para questionar os méritos das normas, do Estado de Direito vigente, do resultado das urnas e até do potencial para a convivência coletiva da democracia deliberativa e participativa.
O uso generalizado da violência por estes Blocs verde-amarelos converge com visões e perspectivas que glorificam e justificam suas ações, esquecem que é o fascismo, ao se contrapor à Democracia e ao papel do diálogo na vida política, quem exalta a violência e a sustenta nos méritos do belicismo como temos visto nas manifestações de extrema Direita, de se lembrar contudo que na tradição da esquerda, a clássica diferença entre reformistas e revolucionários é a de que aqueles se norteiam pela mudança por meios pacíficos, ao passo que estes se guiam pela aceitação e afirmação da violência revolucionária como caminho para mudanças, tendo em vista, na lição de Marx, que a violência é a parteira da História, é dizer a despeito de nesta situação última ter-se visto manifestações direitistas, o uso da violência e de métodos ditos revolucionários não lhes é exclusivo, tendo-se observado ao longo da história a utilização indiscriminada desta metodologia por segmentos da esquerda.
Independente do lado ou ideologia defendida, é da natureza de movimentos violentos não se sujeitar aos predicados das normas e da justiça, características inerentes ao Estado de Direito. A violência extirpa qualquer possibilidade de diálogo e, por ser desmedida, se contrapõe às regras do Direito que pressupõem a igualdade perante a lei e a imparcialidade do julgamento.
A prática da violência fere a dignidade da pessoa humana e se opõe à Democracia que postula a importância da comunicação e dos debates que fazem a mediação das diferenças na busca de um curso comum da ação.
Falei de Schmitt porém concluo com Hannah Arendt para quem a violência não cria o poder, destrói o poder. Poder resulta da capacidade humana de agir em conjunto e do concordar de muitos com um curso comum de ação, o que requer persuasão, diálogo, debate, explanar de ideias e não a intransigência sem personalidade da violência, poder é horizontal, é a capacidade de livremente nos associarmos e manifestarmos em prol de objetivos comuns.
Hoje o Brasil é um espetáculo para o mundo, estamos sob os olhares da comunidade internacional, observadores internos, nossos próprios cidadãos, passamos tal qual no BBB televisivo pela primeira prova do líder, resta saber se este irá agora se guiar por aquilo que tanto falou em defender, regras sobretudo as constitucionais, em menos de nove dias do ano e do novo mandato já tivemos manifestações, depredações, destruição de patrimônio história-cultural de valor incalculável, afastamento de governador do DF, exoneração de Secretário de Segurança, intervenção judicial, intervenção federal, reunião de chefes dos executivos estaduais, caminhada conjunta dos chefes dos três poderes em demonstração de união pela Democracia, após tudo isso precisamos também como povo conseguir extirpar a violência e caminhar rumo ao diálogo, e ao tão esperado desenvolvimento.
Anderson F. Fonseca. Professor de Direito Constitucional.
Advogado. Especialista em Comércio Exterior e ZFM.
IG: @anderson.f.fonseca