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Quem tem medo do lobo mal?

Em minha infância existiam algumas coisas que hoje parecem peças de museu, lembro com saudades da vitrola que meus pais adquiriram na Zona Franca de Manaus para que pudesse ouvir os disquinhos de estórias contatadas por ninguém menos do que o próprio Silvio Santos, apresentador e dono do Sistema Brasileiro de Televisão (SBT), naquele momento uma das estórias que mais me animava era a fábula dos 3 porquinhos, posteriormente imortalizada na versão das animações de Walt Disney, na série Sinfônias Malucas.

Neste desenho os porquinhos mais travessos cantarolavam uma canção cujo refrão repetia em coro “quem tem medo do lobo mal, lobo mal, lobo mal? quem tem medo do lobo mal, lá, lá, lá”.

Corta-se a cena, o editor do filme da vida nos leva ao ano de 2002, nele a namoradinha do Brasil Regina Duarte durante um dos programas da campanha de Geraldo Alckim, naquela altura dos acontecimentos candidato a Presidência da República contra o candidato Luis Inácio Lula da Silva, grava seu depoimento dizendo estar “com medo, muito medo”do que viria pela frente, tal declaração rendeu-lhe o rótulo nunca mais apagado de atriz do medo, em sua vitória o candidato Lula fez questão de incluir em seu discurso que “a esperança venceu o medo”.

Duas décadas se passaram daquele momento e parece que o medo novamente é uma ferramenta para a propagação de ideias e avanço das campanhas políticas deste ano. Medo da inflação, medo do comunismo, medo do bolsonarismo, medo do desemprego, medo de que o resultado das eleições não seja respeitado, medo de golpe. Entre nós que vivemos na terra das Amazonas, medo de perdermos a Zona Franca, medo do retrocesso de nosso modelo econômico, medo de que os candidatos ao governo não respeitem o jogo democrático, somando-se estes aos medos nacionais.

Curioso notar, pelo menos a este articulista, uma outra espécie de medo que tenho encontrado em minhas caminhadas pelo interior, capital e até mesmo em Brasília, de onde escrevo o artigo desta semana durante o voo de retorno a Manaus. O medo oriundo da intimidação do eleitorado para a carrear votos a determinados candidatos, sobretudo direcionado aos eleitores com algum vínculo com o poder público.

Algo que só pensei existir nos livros de história, de um passado quase esquecido, o dos coronéis do sertão e de barranco, figuras icônicas que determinavam o ritmo e a vida das pessoas em cidades e províncias e nos períodos eleitorais determinavam em quem o povo deveria votar, sob pena de sair das graças do “coroner”,sofrendo com isso duras perdas para si e suas famílias. 

Em verificação empírica e sem maiores pretensões científicas observei um padrão nefasto de procedimento, para uma democracia isto é, pessoas, sobretudo funcionários públicos, em sua maioria contratados (ou seja não concursados) com medo de perder seus empregos sendo intimidadas a declarar seus votos ao candidato “oficial”, forçadas a participar de caminhadas, reuniões, carreatas, balançar bandeiras, adesivar seus carros, enfim entrar de cabeça nas campanhas dos “ungidos dos chefes”.

Chama atenção os métodos atualizados de intimidação: verificação constante de conversas nos corredores, acompanhamento de postagens nas redes sociais, somente autorizadas para os candidatos apontados pela liderança, cancelamento de benefícios aos resistentes, desde a vaga no estacionamento para aqueles que se recusam ou trazem em seus veículos adesivos e identificações dos candidatos de sua preferência, até a limitação de horas de repouso, plantões, transferências, exonerações, cancelamento de contratos e outros.

Recentemente adicionou-se a isto o flagrante desrespeito à liberdade de consciência e a direta intimidação com reuniões promovidas por chefes de setor, secretários, diretores e outros com seus respectivos funcionários em cargos comissionados ou contratados advertindo as sérias consequências para quem não se alinhar e votar nos candidatos oficiais. Isto em 2022!!! Na democracia e não no Estado Totalitário da Alemanha de 1939!!!

Interessante notar o grau com que estas práticas tem se enraizado no subconsciente dos intimidadores e intimidados, de um lado o verdadeiro vale-tudo para alcançar o resultado do voto, não se importando com eventuais e tardias reprimendas da Justiça Eleitoral, de outro os sujeitos desta intimidação, em maioria, resignando-se a aceitar como “normal”uma conduta que fere de morte a democracia e sobretudo a livre manifestação de pensamento.

Nesta mesmo espaço tempos atrás trouxe à reflexão a famosa frase de Geoge Orwell de que “se a liberdade significa alguma coisa, significa o direito de dizer às pessoas aquilo que elas não querem ouvir”, ao que parece o autor do clássico distópico 1984 teria que atualizar sua obra com a realidade e não mais ficção do encontrado no Estado brasileiro em época de eleição.

Fica então a pergunta feita por dois dos porquinhos da fábula “quem tem medo do lobo mal”? é dizer quem vai ser corajoso suficiente para dar um basta nisto? quem ousará pensar e agir de maneira diferente? na fábula, como na vida, o porquinho chamado prático usa de sua engenhosidade e pensamento para combater o lobo e livrar seus irmãos do destino certo de acabar na panela, ouso dizer que à semelhança dele carecemos de pensamento livre, de engenhosidade e espírito público altivo e reto, por mais difícil que isto seja, para dar uma guinada definitiva e acabar com as intimidações eleitorais. Sonho com o dia em que as lições morais aprendidas nas fábulas e que ensinamos a nossos filhos sejam em verdade concretizadas em nosso tempo, tempo em que verdadeiramente a esperança venha vencer o medo. Já passou da hora.

Anderson F. Fonseca. Professor de Direito Constitucional.                                                                        Advogado. Especialista em Comércio Exterior e ZFM.

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