A iniciativa Quilombo nos Parlamentos, que pretende aumentar a representatividade negra no Congresso Nacional e nas Assembleias Legislativas estaduais, foi lançada nesta segunda-feira (6) em evento que contou com a presença virtual do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Lula inicialmente participaria presencialmente, mas ele testou positivo para a Covid-19 no domingo (5) e está em isolamento.
São mais de cem pré-candidaturas ligadas ao movimento negro de várias partes do país, numa articulação da Coalizão Negra por Direitos, rede com mais de 250 organizações deste campo, que faz sua estreia na política institucional.
Até o momento, são 67 pré-candidatos a deputado estadual, 31 a deputado federal, 2 distritais e 1 ao Senado, numa aliança suprapartidária que envolve PT, PSOL, PC do B, PSB, PDT e Rede Sustentabilidade.
Ao longo do evento, diversas lideranças e pré-candidatos ressaltaram a importância da representatividade negra nos espaços de poder e de elaboração de políticas públicas, elogiaram a iniciativa da coalizão e criticaram o racismo no Brasil e o presidente Jair Bolsonaro (PL).
O ex-presidente Lula discursou por quase 15 minutos por vídeo. De voz rouca, disse que por estar com Covid-19 está “tirando uns dias” para se cuidar.
Em sua fala, exaltou conquistas do movimento negro, criticou o racismo no Brasil, afirmou que a população negra foi historicamente marginalizada no país e que é preciso que ela ocupe não só cargos na política, como também no Judiciário e no Ministério Público.
“Queremos negros nos concursos em todas as repartições públicas. O nosso país tem que ser resultado da nossa cor. E negros e negras não são minoria, são maioria”, afirmou Lula.
“Precisamos contar para a sociedade brasileira uma narrativa não apenas do nosso passado, mas tentar construir uma narrativa daquilo que precisamos construir com a participação do movimento negro. Ocupando todos os espaços que temos direito. E os negros mais ainda.”
Lula criticou Bolsonaro, sem citá-lo nominalmente, e disse que o “racismo é uma doença que tomou conta do fascismo que governa o nosso querido país”.
O ex-presidente também elogiou a iniciativa do Quilombo nos Parlamentos. “Bendito o momento em que vocês decidiram entrar na política, em que tomaram a decisão de se organizar e construir uma plataforma a partir daquilo que é o dia a dia de vocês. Isso é extraordinário.”
“Fico feliz como pessoa por ter vocês lado a lado na tentativa de reconquistar a democracia desse país, para que as pessoas voltem a sorrir, a ter direitos, a sonhar e para que todo mundo diga em alto e bom som ‘não ao racismo’”, continuou o petista.
Participaram ainda do evento nomes como os pré-candidatos Douglas Belchior (PT-SP), Vilma Reis (PT-BA) e Carmem Silva (PSB-SP), a advogada Sheila de Carvalho, o ator Antonio Pitanga, a filósofa Sueli Carneiro, o ativista Hélio Santos e a diretora do Instituto Marielle Franco, Anielle Franco.
Anielle lembrou a história de sua irmã, a vereadora Marielle Franco, assassinada a tiros em março de 2018. “Quero celebrar as mulheres negras enquanto elas estão vivas. Não basta elegermos, temos que cuidar. Que a gente tenha muitas mulheres e homens negros eleitos, mas que a gente não deixe de vigiar e de cuidar dos nossos e das nossas.”
Também estiveram presentes parlamentares como a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e os deputados Orlando Silva (PC do B-SP), Áurea Carolina (PSOL-MG), Vicentinho (PT-SP) e Bira do Pindaré (PSB-MA). O evento ocorreu na Ocupação 9 de Julho, em São Paulo.
“Essa noite vai abrir caminhos para que pretos e pretas ocupem o espaço que lhes é de direito. Vamos levar nossa agenda e em 2023 pintar de preto o Congresso Nacional brasileiro”, disse Orlando.
“Aqui a coisa está preta. E ela vai estar preta no Brasil inteiro”, disse Vicentinho.
Bira do Pindaré afirmou que é preciso que o ex-presidente Lula volte à Presidência para que ele “traga de volta muitas coisas que nós perdemos”. “Como a política de igualdade racial desse país e a Fundação Palmares, que está sendo comandada por um capitão do mato”, disse o deputado.
Ele também ressaltou a subrepresentação de negros na Câmara. Dos 513 parlamentares que compõem a atual Câmara, 436 são homens e 77 são mulheres.
Do ponto de vista racial, a desproporção também é flagrante: enquanto deputados federais brancos chegam a 75%, os negros são 24%. E apenas 21 (4%) desses parlamentares se autodeclararam pretos. No Senado, a sub-representação se repete: de 81 representantes, 13% são mulheres e 4% são negros.
Em sua fala, o pré-candidato a deputado federal e pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) afirmou que é preciso derrotar o racismo porque com ele não há democracia e criticou o deputado federal Marco Feliciano (PL-SP).
“Estou aqui como discípulo do Jesus negro da periferia de Nazaré. O fundamentalismo religioso cristão tem sangue nas mãos. Se o Brasil tiver o azar de eleger mais uma vez Feliciano, agora ele vai debater com um pastor negro da luta antirracista em Brasília”, disse.
“Sou apenas parte de uma resistência plural que celebra a democracia e a luta contra o racismo. Queremos fazer isso naquele espaço de poder para fazer um contraponto amoroso à bancada fundamentalista”, continuou.
A ativista Mônica Oliveira disse que o evento desta segunda além de ser histórico é também a continuidade de um processo longo do movimento negro, que é quem “empurra a esquerda para a esquerda”.
A advogada trans Robeyoncé Lima, pré-candidata à Câmara pelo PSOL em Pernambuco, afirmou que é “preciso fazer política em primeira pessoa”. “Não vamos admitir política feita sem nossos corpos e nosso protagonismo”, disse.
Simone Nascimento, da coordenação nacional do Movimento Negro Unificado, afirmou que sua pré-candidatura coletiva à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo é para levar “saberes coletivos e seculares das mulheres negras” à assembleia, que é “um espaço tão hostil às mulheres”.
Simone faz parte de uma candidatura coletiva que também é formada por Paula Nunes, Carolina Iara e Mariana Souza. “Colocamos nossa pré-candidatura ao maior desafio que temos neste ano, que é derrotar Bolsonaro e eleger Lula. Esse é o desafio histórico da nossa geração e é das mulheres negras”, disse Paula.
A vereadora de Niterói Verônica Lima (PT) disse que o Estado brasileiro tem uma “dívida enorme” com o povo negro e que o processo eleitoral é mais difícil para candidatos negros.
“Há uma quantidade de barreiras que precisamos burlar para chegar ao Parlamento. Não temos fundo eleitoral, não temos o mesmo tempo de televisão. Mas temos lastro, relação com movimento social, temos história e temos lado. E ele é o lado da luta do nosso povo negro pela nossa real libertação”, afirmou Verônica.
O evento também teve apresentação musical do bloco afro Ilú Obá de Min.
FONTE: JORNAL DE BRASÍLIA