O valor de um bitcoin fechou mais uma semana em queda nesta sexta, 19. No total, houve 2,19% de recuo em sete dias, e uma unidade da criptomoeda mais conhecida ficou abaixo do US$ 30 mil novamente, o que não ocorria desde julho de 2021. Em novembro do mesmo ano, o bitcoin havia atingido uma máxima histórica, de US$ 69 mil, mas caiu até voltar ao patamar de R$ 29,2 mil novamente. Outras criptomoedas, como Ethereum, Solana e Cardano, também despencando caindo nas últimas semanas. O movimento é resultado de duas forças: as complicações da economia mundial, que causaram o aumento das taxas de juros, e a própria volatilidade das criptomoedas, que constituem um mercado muito dinâmico, mas ainda novo em relação aos demais investimentos e sujeito a muitos problemas.
O aumento de juros veio para conter o crescimento da inflação, resultado da injeção de dinheiro dos Bancos Centrais nas economias durante a pandemia e de outros choques na oferta de produtos vitais para a economia global, causados por fatores internacionais, como a guerra na Ucrânia (que motivou a subida no preço de commodities como petróleo, gás natural e grãos) e lockdowns na China. Com a subida das taxas de juros, títulos da dívida pública de países como os Estados Unidos, considerados bastante seguros, se tornam mais atraentes. Outros como o Brasil, são vistos como mais arriscados, mas remuneram melhor, em dois dígitos — a taxa brasileira hoje é de 12,75%.
“Usa-se a taxa de juros como forma de precificar todos os outros ativos. Então, para eu achar que outra coisa vale a pena quando ela tem um risco embutido, ela tem que entregar um retorno superior no longo prazo ao da taxa de juros livre de risco, que normalmente é o título público mais líquido daquele país. Hoje, a gente tem, de forma generalizada, uma dificuldade de saber qual vai ser a taxa de juros livre de risco daqui a um ano, porque a inflação está batendo recorde no mundo inteiro e você tem problema de oferta em todos os lugares”, explica Rodrigo Marcatti, economista e CEO da Veedha Investimentos.
“No ano passado, quando o bitcoin bateu o recorde, a gente tinha o movimento contrário. Para socorrer as economias após a Covid-19, os Bancos Centrais imprimiram muito dinheiro, colocaram moeda em circulação e, como a taxa de juros real (descontada a inflação) estava muito baixa ou até negativa, os investidores foram forçados a tomar risco, e os criptoativos foram um dos alvos dessa quantidade de moeda que foi atirada na economia. Agora, os Bancos Centrais iniciam esse movimento de ‘recolher dinheiro’ por causa da inflação, e aí ativos que têm mais volatilidade sofrem mais”, completa Marcatti. As criptomoedas são vistas justamente como ativos voláteis, difíceis de serem precificados e nos quais nem todos os fatores que interferem são completamente conhecidos.
“Como é um mercado muito novo, não há um lastro pré-definido, o lastro é basicamente só a confiança do investidor de que aquilo funciona. Não ter esse lastro específico faz com que as criptomoedas entrem como renda variável, assim como as ações, só que de forma mais agressiva, porque hoje o lastro das ações são o patrimônio das empresas e o que elas geram de caixa, as expectativas futuras das empresas. Os das criptomoedas são as expectativas futuras da economia, o que é algo muito mais intangível. Por isso, muito mais volátil, está ligado somente à questão da confiança”, comenta o economista Virgílio Lage, da Valor Investimentos.
Isac Costa, professor do Ibmec e do Insper, dá mais detalhes de como funciona o mundo das criptomoedas: por terem a todo momento novas informações que interferem no valor, o risco é bastante alto, e problemas técnicos, do código ou algoritmo usado, podem interferir. “
“Os criptoativos devem ser considerados como ativos de altíssimo risco porque, usualmente, estão relacionados a modelos de negócios não validados, programas instáveis e empresas nascentes que dificilmente acessariam o mercado de capitais tradicional (ou mesmo o mercado bancário). Some-se a isso o caráter global desse mercado, que pode levar a perdas pela simples má-fé de empresas ou falta de diligência na prestação de serviços. É natural que os preços sejam extremamente sensíveis a divulgações sobre novos projetos, insucesso de empreitadas relevantes, proibições e investigações pelos Estados e qualquer informação relacionada a um projeto específico pode impactar os demais. Esse cenário de ‘montanha russa’, com potencial de altos retornos – e altas perdas –, deve continuar assim por um bom tempo”, avalia Costa.
Marcatti tem avaliação parecida. Ele relembra casos de altas repentinas, como a valorização do bitcoin após Elon Musk tuitar que sua empresa de carros elétricos, a Tesla, compraria bilhões de dólares na criptomoeda. Asim como a queda igualmente veloz quando o mesmo Musk disse que pararia de negociar devido a preocupações ambientais com o gasto de energia demandado pelo mercado cripto. “É [um mercado] muito dinâmico, você transaciona numa velocidade muito maior, tem negociação todo dia, toda hora, tem um mercado paralelo, um submundo utilizando, o que agrava a situação dos criptoativos. Existem fatores não tão conhecidos do público geral. Então, fica esse efeito manada sobre o que seria o valor correto. Uma hora está na moda e todo mundo compra, outra hora cai 10% e todo mundo vende, um tuíte muda toda a trajetória”, diz.
Lage recorda que a situação não é nova após a internet se popularizar como forma de novos negócios: no início dos anos 2000, uma bolha das empresas .com se formou. O especialista compara os dois momentos. Segundo ele, as empresas viáveis daquela época permaneceram após a bolha estourar. “A criptomoeda é quase como o mercado de ações dos anos 2000, como tinha com a Amazon e o Google daquela época. Um mercado ainda extremamente novo, pouco maduro, com porcentagem baixa da população mundial envolvido nela. Muita gente é leiga para entender do que se trata. A gente vai ter essas variações enquanto o mercado não criar essa maturidade”, projeta. A maturidade seria o bitcoin, o ethereum e outras criptomoedas passarem a ser utilizadas como meios de trocas comuns na sociedade.
Fonte: Jovem Pan