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Eles os Advogados, vistos por um certo Juiz do Paraná

A esta altura dos acontecimentos mesmo aqueles que não fazem parte do meio jurídico já devem ter acompanhado nos diversos meios de comunicação a notícia acerca da fala do Desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná Mário Helton Jorge ao afirmar que seu Estado “tem nível cultural superior ao Norte e ao Nordeste” e que não possui “o jogo político dos outros Estados”.

Todo repúdio com veemência a tamanho despautério, contudo, o que também chamou a atenção deste articulista e que de certo não foi em igual medida repudiado pelas redes de noticias, instituições e órgãos de classe foi a fala seguinte do mencionado Desembargador “estamos vivendo num mundo de idiotice (…) nós somos dos bancos escolares de antigamente, a gente estudava livro, ciência, estudava muito direito civil, processo civil, penal e o diabo a quatro, hoje é tudo copia e cola e vai embora, seja o que Deus quiser, e nós aqui vamos ter que enfrentar essas barbaridades todas né, porque ninguém mais estuda, o negócio é captar o cliente e vamo tomar o dinheiro do cliente e vamo mandar embora.”

Arrematando seu comentário dirige-se aos patronos “com todas as vênias aos senhores advogados, que tão no direito de buscar o melhor pro seu cliente, e a sociedade que se lixe né, mas é um dever do advogado, eu já fui advogado também (…)”

De tantas observações que se podem extrair para refletirmos acerca das conclusões do nobre Desembargador Paranaense, tempo e espaço não permitem que nos delonguemos e portanto fixaremos nossas considerações a somente dois aspectos de sua fala, de um lado a questão educacional, sobretudo jurídica, e de outro sua visão sobre a advocacia.

Sobre a questão educacional, em que pese concordar em parte com o início de sua premissa, a de que hoje em dia vivemos um mundo fast-food em que a substância, o conteúdo, o aprofundamento de estudo perdeu o seu lugar para respostas rápidas, em vídeos de no máximo um minuto e meio no Tik Tok, um conhecimento verniz, sem o necessário substrato, sobremaneira na prática da advocacia com modelos prontos retirados de sites na internet, o famoso copia e cola mencionado pelo desembargador, que conclui ser o calvário dos magistrados ter que lidar com estas barbaridades todas imperioso esclarecer não somente a ele mas aos leitores em geral (da área jurídica ou não) que esta realidade não é de longe exclusividade dos que pleiteiam suas causas na justiça.

Atire a primeira pedra o advogado militante que não se deparou com sentenças ou acórdãos totalmente dissociados da causa em julgamento, muitas vezes com relatórios de situações outras que não a sua, com mesmos fundamentos usados para uma miríade de demandas, com menção a artigos de lei já revogados ou (em alguns casos) elaborados pelo corpo auxiliar (estagiários) de Vossas Excelências sem ao menos ter tido suas primeiras lições de processo, com fundamentações sem qualquer conteúdo fático-jurídico com a questão em julgamento.

Não para por aí, e o que falar de situações que levam ao necessário reexame, em vista do aqui mencionado (dentre outras) e a resposta recursal vir na forma de “chapão”: “nada há a esclarecer, a decisão se basta pelos seus próprios fundamentos”,  sem contar com aqueloutras que diante do ímpeto do advogado em procurar sanar tais defeitos ser repreendido com advertências do tipo “insistência descabida poderá levar a aplicação de multa, condicionante a interposição de outros recursos” (quando já não é de pronto aplicada).

Melhor sorte também não assiste aqueles que depois de passar pela hercúlea tarefa de preencher um sem número de requisitos conseguir enfim alcançar cortes superiores para se deparar com um formato padrão de julgamento, a famosa e temida Súmula 07, creio que estas e outras “barbaridades” não estão sequer no radar das observações feitas pelo magistrado paranaense, afina de contas o “problema” são dos advogados que não estudam.

Falando em advocacia, chama igualmente atenção o fato de se perceber que infelizmente há aqueles que praticam esta nobre arte com o intuito estritamente mercantilista “o negocio é captar o cliente, pegar o dinheiro do cliente e mandar embora”, advocacia predatória, sem qualquer compromisso com a Justiça, petições em produção industrial somente para impulsionar e forçar “acordos”, afinal melhor um acordar do que se estender em demandas sem futuro.

Em giro outro, se parasse seus comentários por aí quem sabe não teríamos que tecer maiores comentários, contudo, durante a sessão ao se dirigir aos advogados presentes afirma sua particular visão da prática da advocacia “é um dever do advogado buscar o melhor pro seu cliente, e a sociedade que se lixe”,  surpreendente que isto tenha vindo de alguém que diz já ter sido também advogado, uma visão estreita e nada realista da advocacia.

A se indagar, porque acha o nobre magistrado que os advogados querem que “a sociedade se lixe”, esquece ele que é a advocacia que dá voz aqueles que não tem voz, que restaura a liberdade dos injustamente cativos, que defende direitos, que pleiteia e traz de volta muitas vezes a dignidade das pessoas, que por vezes é o último bastião de esperança dos que não tem esperança, ponte entre o forte Estado e o cidadão comum?

Não há dúvidas que há aqueles que fazem deste nobre mister um mecanismo para interesses escusos mas esta não é e certamente não será a realidade da advocacia, esta ainda é composta daqueles que acreditam na Justiça, que estudam pormenorizadamente as causas diante de si, que se preocupam com seus constituintes, que abrem mão de horas com família e amigos para se debruçar em demandas e combater abusos e todo tipo de ilegalidades, resumir a advocacia ao pensamento externado é digno do mais amplo e veemente repúdio.

Aos que estudam e conhecem do Direito certamente já entenderam que o título de nossa reflexão é uma paráfrase adaptada da obra do jurista italiano Piero Calamandrei “eles os juízes, vistos por um advogado”, dentre tantas lições dali extraídas penso que podemos concluir com a seguinte:

Em um regime em que, como em nosso país, o advogado se considera investido de uma função pública, advogados e juízes são colocados moralmente, ainda que não materialmente, no mesmo plano. (…)advocacia e magistratura obedecem `a lei dos vasos comunicantes: não se pode baixar o nível de uma, sem que o nível da outra desça na mesma medida”.

Lidar com as “barbaridades” que aí estão passa sobretudo por respeito mútuo, afinal todos fazemos parte de um mesmo sistema cíclico, imperfeito sim, sujeito a erros e acertos mas desacreditar daqueles que dele fazem parte certamente não é o caminho para mudança.

Anderson F. Fonseca. Professor de Direito Constitucional. Advogado. Especialista em Comércio Exterior e ZFM.

IG: @anderson.f.fonseca   

 

 

 

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