Confisco, título de documentário realizado e disponível pelo serviço de streaming HBO Max lançado em 2020, retrata a história de pessoas afetadas pelo plano econômico de 1990 que dentre outros promoveu a apropriação compulsória das poupanças dos brasileiros com a finalidade de conter a inflação.
Após revisitar aquele momento histórico assistindo aos depoimentos de seus protagosnistas, sendo a principal a então ministra da economia Zélia Cardoso de Mello, pensei ser oportuno também revisitarmos algumas das lições apendidas (ou não) e saber se avançamos nos aspectos de nossa identificação enquanto Nação, para tanto tomei a liberdade de revisitar um outro clássico “A construção política e econômica do Brasil” do Professor Luiz Carlos Bresser-Pereira.
Pois bem, sobretudo para nossos leitores mais jovens e aqueles não tão familiarizados com as questões econômicas do Brasil recente, necessário se faz um contexto histórico, em Março de 1990 Fernando Collor assumiu a Presidência da República em um país dominado pela hiperinflação (aumento exagerado dos preços), uma vez no poder decidiu enfrentar de maneira direta e até dramática este problema através de reformas liberais com abertura comercial e privatização .
Naquele momento a política de controle inflacionário batizado de Plano Collor, adotou uma estratégia ortodoxa com violento ajuste fiscal e monetário que incluiu captura das poupanças privadas pelo Estado (confisco) e o congelamento de preços, Segundo a visão ortodoxa econômica, este plano deveria necessariamente acabar com a alta da inflação.
Hoje se sabe que um dos erros do plano foi não ter incluído a conversão inflacionária para o congelamento de preços, dada a necessidade das empresas que foram prejudicadas no dia do congelamento de recuperarem suas margens de lucro, os preços voltaram a subir e o plano fracassou, no final do primeiro ano de governo a inflação brasileira batia na casa dos 20% ao mês.
Neste momento histórico estava eu entrando na adolescência a ainda que alheio as repercussões macroeconomicas do que ocorria lembro com clara nitidez o sentimento que envolvia todos, fosse nas escolas, nas ruas, campos e construções, todos foram pegos de “surpresa”pela medida extrema de apropriação de poupanças, negócios foram paralizados, obras foram suspensas, compras foram adiadas, pessoas que haviam trabalhado a vida inteira sonhando em comprar a casa própria, deixando o aluguel, agora estavam a mercê do governo, sem ter para onde ir.
Ao que parece nada une os brasileiros de tal maneira quanto os infortúnios, excetuando é claro o futebol. Naquele instante aprendi que apesar de culturalmente integrados o Brasil ainda padece de um sentimento maior de unidade, nos anos 1990 diante de uma hegemonia neoliberal, a nossa revolução nacional paralisou-se e o Brasil ficou sem norte, sem este conceito do que nos une enquanto Nação.
Fazendo um corte histórico e até recente, nossa última manifestação de unidade em prol de um objetivo comum foi, salvo engano ou grave omissão, no combate a pandemia da Covid-19, todos os Estados, uns mais outros menos, aderindo a planejamentos conjuntos para evitar-se o contágio e contenção da pandemia.
Estamos caminhando para o final de um ano que nos apresentou com muitos desafios, sentimentos os mais variados ainda permeiam as nossas mentes, as redes sociais e são externados em manifestações pacíficas e outras nem tanto, o sentimento comum é de que as coisas não estão bem, há uma certa apreensão quanto ao futuro, a despeito disto este articulista acredita que há esperança mas que para esta possa vicejar é necessário que evitemos o confisco de nosso sentido de pertencimento, de que todos estamos ou devemos estar juntos para um amanhã melhor.
Anderson F. Fonseca. Professor de Direito Constitucional.
Advogado. Especialista em Comércio Exterior e ZFM.