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Silêncio de Ordem

Heráclito Fontoura Sobral Pinto, o paladino e defensor dos direitos civis no Brasil, nasceu  em 05 de novembro de 1893 e nos seus 98 anos de vida dedicou 70 deles à prática da advocacia, seu falecimento em no dia 30 de novembro de 1991 foi amplamente divulgado em todos os jornais do país.

As manchetes dos periódicos da época apontam para a figura de um jurista que a despeito de não ter acumulado riquezas teve grande êxito profissional, atuante na história do Brasil como defensor incansável da democracia e das constituições, além de sempre disposto a interceder em prol dos mais fracos.

Homem de vida regrada, é sempre descrito como um “franciscano” não somente por ter sido um católico inabalável, vestido em sua indumentária negra, mas quem sabe por não cobrar honorários pelos serviços prestados aos presos políticos.

Apesar dessa “unanimidade celebrativa” à época de sua morte e de ter sido uma das figuras de grande relevância na história recente em nosso país, ao que parece, a figura de Sobral Pinto merece e deve ser resgatada para as presentes e futuras gerações, sobretudo nesta quadra histórica em que vivemos.

De acordo com os historiadores, apesar de ter rejeitado vários cargos públicos ligados à burocracia do Estado durante sua extensa carreira, sendo o mais notório o convite feito por Juscelino Kubistchek para integrar o Supremo Tribunal Federal, o exercício da profissão de advogado  para Sobral implicava uma atuação na esfera pública, desta forma não se isentou de emitir publicamente sua opinião pessoal em nenhum dos principais eventos políticos da História do Brasil do século XX: do governo provisório de Getúlio Vargas (1930-1934), a posse de João Goulart (1961-1964), favorável porém não menos crítico do golpe civil-militar de 1964, severo opositor do AI-5 (1968), até a defensa da luta pela anistia política (1977-1979) e da Emenda Dante de Oliveira que garantia as eleições diretas a presidência da república (1984).

Muito embora não tivesse demonstrado interesse em compor formalmente as fileiras do Estado  ocupando cargos públicos, se colocava em todo momento como homem de grande atuação na esfera pública, escrevendo cartas aos mais variados órgãos e detentores de cargos públicos, sempre vigilante e fiscalizador, por vezes exigindo posturas e atuação de parlamentares e governantes.

Entre 1940-1942 contribuiu para o Jornal do Commercio através da coluna “Pelos domínios do direito”, publicada aos sábados, após um período escrevendo na Tribuna da Imprensa do jornalista Carlos Lacerda, retorna em 1950 ao Jornal do Commercio e continua publicando seus artigos, importante como forma de projeção profissional, manutenção da independência de pensamento e de construção de uma memória sobre si perenizada no tempo para as gerações futuras.

No âmbito jornalístico, a pena de Sobral Pinto retratava publicamente reflexões sobre política, democracia e constitucionalidade. Colocava-se, portanto, como formador de opinião e ideólogo do Estado de Direito e, por que não dizer, da intelectualidade de seu tempo.

De outro lado, a manifestação de ideias pessoais de forma direta e independente criou alguns impasses entre Sobral e as entidades representativas da classe dos advogados. Na véspera de sua posse para presidente do Instituto dos Advogados Brasileiro (IAB), marcada para 16 de abril de 1964, Sobral fez um discurso criticando a monstruosidade jurídica do AI-1, que atingia em cheio os direitos da cidadania. O Instituto, naquela oportunidade, declarou publicamente que tais posicionamentos refletiam o seu particular posicionamento, isentando-se portanto de tais opiniões. Em outubro do ano seguinte, houve novo impasse. O IAB decidiu criar uma comissão para examinar as reformas enviadas ao Congresso por Castelo Branco. Sobral propôs que fossem denunciadas as alterações à Carta constitucional.  Contudo, a proposta da Juíza Maria Rita de Andrade, favorável ao AI-2, foi vitoriosa e Sobral destituiu-se do cargo.

Em 1969, como membro do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Sobral apresentou pedido formal para que o Conselho se manifestasse publicamente contrário às arbitrariedades cometidas pela ditadura militar apoiada no AI-5. A demora na decisão fez com que Sobral se desvinculasse do Conselho.

Às vésperas de celebrarmos 129 anos de nascimento deste ilustre pensador e sobretudo combativo advogado de nosso Brasil, dono da famosa frase citada em dez entre dez entregas de carteira aos noveis ingressos nas fileiras da OAB: “a advocacia não é profissão para covardes”, resta a este articulista indagar “onde está o legado de Sobral? quem são os herdeiros deste patrimônio imaterial cívico, ético e combativo? “

A figura de Sobral nos é muito sentida e faz falta, principalmente para um Brasil dividido e fragmentado em que nos encontramos, sua falta se faz para a sociedade brasileira e em particular para a classe dos advogados, em que pese aqueles que acreditam em um país em que nunca antes se viu protagonismo igual na representatividade da advocacia o que a sociedade tem sentido em realidade é silêncio.

De se observar também um protagonismo de ocasião ao sabor dos acontecimentos, digno de nota no tocante a inaceitável medida de censura contra órgãos de imprensa, sob pena de colocar em risco o próprio Estado de Direito, somente as Seccionais de SP, MT, SC e RS (destas, somente a última não é dirigida por mulheres) a OAB se posicionou contrária, as demais…silêncio, e assim na mesma senda os direitos de manifestação de pensamento, a assistência religiosa, o assédio eleitoral, dentre outros. 

Por vezes não nos é dado o direito de sermos (im)parciais, diante de manifestos desrespeitos e descontroles por parte não somente de órgãos do Estado, de seus representantes ou postulantes, de ontem ou do presente, mas também de parcelas significativas da própria população, dos meios de comunicação, dos meios acadêmicos, das diversas e multifacetadas correntes de pensamento encontradas em nossa nação.

Sobral realmente nos faz muita falta, quiçá nestes 129 de celebração de seu nascimento, renasça também a coragem por si demonstrada, dita e tão rebuscada nos discursos, para encerrarmos este ensurdecedor silêncio e passarmos a ser verdadeiros protagonistas de nossos tempos. 

 

 

Anderson F. Fonseca. Professor de Direito Constitucional.                           

Advogado. Especialista em Comércio Exterior e ZFM.                                                     

IG: @anderson.f.fonseca

 

 

 

 

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